segunda-feira, 30 de setembro de 2013

[ILPS] Sobre a crescente violência no Egito


Antes das supostas "primaveras árabes" de 2011, que pareciam varrer desde o Egito à Tunísia, os operários egípcios e seus sindicatos manifestaram suas insatisfações e demandas contra a crescente decadência das condições econômicas e sociais do Egito, como resultado da bancarrota e crise do sistema capitalista mundial e do sistema explorador egípcio, ditado pelo política econômica neoliberal pró-EUA.

A crise econômica e social foi o fator determinante pelo qual as amplas massas do povo foram aos milhões para as ruas. Elas denunciaram a elevada taxa de desemprego, o aumento dos preços de produtos básicos, a corrupção e o autoritarismo do regime de Mubarak. As massas reivindicavam democracia e melhores condições de existência. As forças de esquerda e democrático-liberais, principalmente os operários e a juventude, estiveram à frente das lutas de massas. Porém, a Irmandade Muçulmana também participou das ações de massa e foi, de fato, a maior força organizada contra o regime de Mubarak.

Quando a burguesia militar não tinha condições de impedir as enormes ações de massa que se iniciaram em 25 de janeiro de 2011, a mesma seguiu as instruções para destituir Mubarak e fazê-lo sair da presidência em 12 de fevereiro de 2011. Posteriormente, a Irmandade Muçulmana formou o Partido Liberdade e Justiça, e ganhou todos os votos nacionais desde 2011, incluindo a eleição de Mohammed Morsi para presidente em 2012. Por um período, os EUA imaginavam que teriam controle suficiente e direto sobre a Irmandade Muçulmana e, por meio de certos países do golfo, poderia dar ajuda financeira para aliviar a economia egípcia.

Mas a burguesia militar - construída por décadas como o setor mais poderoso das classes dominantes através da enorme assistência militar dada pelos EUA, desde quando Sadat deixou de ser apoiado pela URSS para ser apoiado pelos EUA - ficou a par das manobras da Irmandade Muçulmana para aplicar a Lei Sharia, fortalecer o Exército e a polícia e manter relações próximas com o Hamas. A Irmandade Muçulmana se fortaleceu na turbulência da Primavera Árabe e manobrou para forjar alianças com as forças da esquerda e da democracia liberal, na base de manter e construir um Estado democrático laico.

A burguesia militar deu permissão aos EUA para derrubar Morsi e formar uma presidência sob controle militar. O ministro da defesa, General Abdel Fatteh El-Sisi orquestou um golpe de Estado em 3 de julho de 2012, sob o uso do nome da democracia e do Estado laico, se utilizando de uma aliança temporária com as forças da burguesia liberal pró-EUA. Os EUA e seus fantoches desrespeitaram a eleição popular de Morsi como presidente, e consideraram ainda mais importante a manutenção da submissão do Estado egípcio aos EUA e Israel.

Porém, a Irmandade Muçulmana se opôs ao golpe militar, e se utilizou do slogan democrático do governo baseado em eleições democráticas, lançando também grandes demonstrações de massa a nível nacional. Os militares reagiram massacrando manifestantes, desmascarando o suposto clamor por "democracia" por parte deles. A burguesia liberal saiu frustrada, e seu melhor representante, Mohammed El Baradei, renunciou do governo. A burguesia militar se utilizou do terrorismo de Estado para reprimir a Irmandade Muçulmana. Os fantoches de Mubarak ocupam os conselhos de Estado e militares, e tem em vista soltar Mubarak da prisão.

As eleições deram à Irmandade Muçulmana uma justificativa para governar o Egito democraticamente, condenar a burguesia militar pelo golpe e pelos massacres, e para levar a cabo todas as formas de luta, incluindo os protestos de massa legais e a luta armada. A burguesia militar e a Irmandade Muçulmana estão envolvidas, atualmente, num processo de crescente violência, numa situação similar à que se passou na Argélia algumas décadas atrás, quando o Partido Islâmico foi impedido de emergir ao poder após ganhar as eleições.

Enquanto os EUA favorecem a burguesia militar e especulam que a Arábia Saudita e os emirados poderiam lhes dar apoio em tal situação, a Imrnadade Muçulmana possui autonomia e é favorecida pela emergência de Salafi e outras forças islâmicas, incluindo a Al Qaeda, nos países vizinhos. Durante um longo período que está por vir, os EUA e outras potências imperialistas enfrentarão uma situação difícil no Egito e no norte africano. 

É necessário para a ILPS entender a atual complexidade histórica e o caráter, as alianças e os antagonismos entre as principais forças políticas do Egito (a burguesia militar, a Irmandade Muçulmana e os defensores do Estado democrático e laico) e como os EUA tentarão manejar cada uma das ditas forças em favor do bloco de poder EUA-Israel. Mas, claro, devemos atuar no sentido de avantajar o papel das amplas massas do povo e das ainda pequenas forças revolucionárias da esquerda, no sentido de tomarem vantagem da turbulenta situação e se fortalecerem na luta contra o imperialismo norte-americano e todas as formas de reação.

Em 1952, a organização "Oficiais Livres" derrubaram o regime monárquico, adotaram o sistema republicano e libertaram o Egito do colonialismo brintânico. A organização era composta pela Irmandade Muçulmana, comunistas dispersos, burgueses liberais e pela elite militar. A organização pregava o sentimento de unidade nacional contra o colonialismo e a monarquia. Em 1954, Gamal Abdel Nasser liderou a elite militar para tomar o poder política após a renúncia do Presidente Mohammed Naguib e da fracassada tentativa de assassinato contra o primeiro.

A elite militar permaneceu indiferente, e ainda tentou ofender a Irmandade Muçulmana e as organizações de esquerda e liberais. Mas, em consequência da nacionalização do Canal de Suez em 1956 e da posição anti-imperialista de Nasser, as organizaçòes de esquerda se aliaram a ele, a despeito de sua aberta aversão aos comunistas. Em 1965, a Irmandade Muçulmana tentou derrubar a camarilha militar e fracassou. Os membros da Irmandade foram presos.

Em 1968, estouraram grandes demonstrações de massas e da juventude que reivindicavam democracia e lutavam de maneira corajosa contra Israel. Organizações de esquerda se aliaram à Irmandade Muçulmana, que continuaram a apoiar os protestos de massa em 1972 contra o regime de Sadat. As mesmas reivindicam a libertação de regiões que haviam sido ocupadas por Israel nas guerras precedentes. Em, 1972, Sadat firmou com sucesso uma aliança com organizações religiosas na luta a esquerda.

Em 1977, organizações de esquerda levaram a cabo massivos protestos por conta da alta dos preços sobre produtos básicos. Em 1981, um setor da Irmandade Muçulmana assassinou Sadat. Mubarak reagiou levando a cabo uma vilenta campanha de repressão contra a Irmandade Muçulmana e certos grupos religiosos considerados violentos. Nos anos de 1980 e 1990, Mubarak tentou apaziguar as principais organizações islâmicas e de esquerda, presenteando as primeiras com cargos no governo e permitindo às segundas uma limitada representação através de eleições parlamentares.

A elite militar se manteve no poder apresentando-se como uma força ora de esquerda e ora de direita e apelando para a identidade nacional egípcia, a identidade arábe e a cultura islâmica, longe, portanto de lutar pelo estabelecimento de um Estado laico. A elite militar aplicou o suposto "socialismo nasseriano" nos anos 60, e depois mudou para o capitalismo escancarado nos anos 70, quando Sadat e Mubarak romperam as próximas relações com a URSS e se aproximaram dos EUA. Desde então, os EUA impulsionou e desenvolveu uma burguesia militar através de enormes financiamentos militares e empréstimos estrangeiros, em troca de o Estado egípcio manter relações amistosas com Israel.

A Irmandade Muçulmana é a maior e mais forte entre as organizações islâmicas. Isso presume que o Egito está entre os Estados de enorme califado islâmico. A organização é conhecida por possuir um programa econômico distinto, e propõe uma mistura de valores reacionários com a solidariedade social. Recebeu apoio dos wahabis e influência dos países do Golfo, principalmente Arábia Saudita, durante um longo período, e tem se fortalecido pela emergência e fortalecimento dos partidos e organizações islâmicas que estão obsecadas com o estabelecimento de estados islâmicos na Ásia ocidental e na África.

Os comunistas egípcios estiveram em aliança tácita com o partido revisionista soviético e com partidos pró-soviéticos no Oriente Médio. Porém, se enfraqueceram após as medidas repressivas anti-comunistas por parte do governo nasserista e pós-nasserista, pela enorme influência da elite militar e da Irmandade Muçulmana entre a população e pelo descrédito e desintegração dos partidos revisionistas. Porém, ainda possuem influência entre sindicatos e círculos intelectuais.

Os comunistas possuem uma aliança efetiva com os líderes mais progressistas da burguesia liberal. A unidade com tais forças está baseada na defesa da democracia e do republicanismo contra o autoritarismo e a repressão e na defesa do Estado laico, contra a beatice religiosa e quaisuqer tentativas de se estabelecer a teocracia. Juntos, os comunistas e liberais burgueses anti-imperialistas possuem forte influência na opinião pública. Contudo, certos líderes liberais burgueses são pró-EUA e tendem a dar aos EUA uma direção no movimento democrático laico.

A burguesia militar permaneceu intacta, a despeito da derrubada de Mubarak pela chamada Primavera Árabe. A mesma exerce o controle sobre o Estado por meio do Conselho Supremo das Forças Armadas. Continuou a receber apoio e confiança por parte dos EUA por estabilizar a ordem política e social egípcia. Com o apoio dos EUA, a burguesia militar tornou-se capaz de fazer alianças com organizações liberais burguesas e se utilizar do slogan da democracia ao levar a cabo o golpe de Estado contra o presidente eleito Morsi, da Irmandade Muçulmana.

O golpe militar mostrou o que de fato foi pela prisão em massa de líderes e membros da Irmandade Muçulmana, pelos massacres contra pessoas protestando em apoio ao presidente Morsi, e pelas medidas repressivas que são, do mesmo jeito, contrárias às amplas massas do povo. A Irmandade Muçulmana formou uma ampla coalização para se opor ao golpe e à camarilha ditadora por meio da desobediência civil e ações de massa.

Os militares, a polícia e as gangues fascistas estão atacando violentamente os manifestantes. Fora das ações de massa, grupos anti-fascistas começaram a se engajar em ações armadas. Por um longo período que está por vir, haverá um sangrento conflito entre a burguesia militar e a Irmandade Muçulmana. Os EUA terão tempos difíceis no trabalho para encontrar uma solução que beneficie seus interesses durante o conflito entre as diversas forças.

Ao mesmo tempo, os verdadeiros comunistas e democratas devem defender os direitos nacionais e democráticos e os interesses do povo, aproveitar os conflitos entre as duas forças reacionárias e fortalecer as forças populares democráticas e anti-imperialistas. Ainda que levante a bandeira do Estado laico e da democracia contra a Irmandade Muçulmana, a burguesia militar e seus colaboradores civis somente servirão aos interesses do imperialismo norte-americano e da reação local.

por Professor José Maria Sison
Presidente da Liga Internacional de Luta dos Povos (ILPS)

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